domingo, 5 de junho de 2011

A Lei Natural de Eros

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A Lei Natural de Eros

Debates a respeito do natural e o perverso estão surgindo constantemente. Homossexualidade e práticas sexuais ‘incomuns’ de qualquer variedade geralmente chamam a atenção, pois aqui, no mundo do sexo, todos os homens e mulheres encontram suas inclinações mais puras e sua escuridão mais crua.  A escala nestes debates está entre as inclinações pessoais sensuais, em como elas são mediadas com uma moral universalista que insiste que todos possuem as mesmas inclinações sensuais — e aqueles que escapam do lícito são considerados  pervertidos — ou pior. Estes discursos morais são, quase sempre, ditados sobre motivos religiosos, propagando uma escala muito curiosa entre a liberdade e o pecado, e a vergonha das  inclinações. Neste clima de ‘uma moral que serve para todos’ a resistência chega naturalmente à superfície.

Os debates que vemos hoje podem ser ancorados no século XI e nos debates eclesiásticos sobre a Lei Natural — aqui encontramos São Tomás de Aquino, que realmente nos disse para olharmos para a natureza para que pudéssemos ver o que era natural, desde que ele não considerava o sexo como algo particularmente sagrado — mas sim algo que os humanos compartilhavam com todos os outros animais.

No Livro de sua Summa, Tomás discute as questões da Lei. Dada a orientação platônica e a influência muçulmana as quais Tomás foi sujeito, podemos supor que ele, ao falar da Lei Divina, não estava falando de shari’ah, mas da essência do próprio Islã — submeter-se a Lei Divina, como Abdullah, um escravo de Deus. Essa idéia certamente envolve a doutrina do Destino e como todos nós nascemos com um condicionamento único, que permite um único caminho (lei) para a obtenção da bondade em nossas vidas. Ser um escravo de Deus implica que descobrimos a única lei que nos conduz à abundância, como uma extensão da Lei Divina. Como espelhos de Deus, nós, enquanto humanos, também refletimos todas as suas possibilidades espelhadas em seus 99 maravilhosos nomes. Há, portanto, uma distinção entre a Lei escrita e a Lei natural.

A distinção entre a Lei escrita e a Lei natural também está incorporada no cristianismo, nos evangelhos que falam da missão de Jesus Cristo. O que é evidente é que Jesus se considerava um profeta da lei eterna, escrita no coração de cada um nós. Aqui encontramos a divisão entre Lei, como um conjunto de regras de conduta vazio de razão. 'Siga a lei escrita e você não pode errar’ parece ser a mensagem, e a Lei transformada em um conjunto de regras que não precisa de razão para trazer a salvação. A lei eterna escrita em nossos corações segue uma dinâmica que necessita que estejamos conscientes sobre nossas ações e motivações. Infelizmente, a consciência está sendo gradualmente substituída pela temporalidade e interpretações morais dominando o momento sócio-espacial.

É a lei escrita no coração dos homens que Tomás de Aquino discute em sua Summa. É esta Lei que ao longo do tempo foi reinterpretada à luz moral e que deu origem à doutrina eclesiástica sobre o pecado e a sexualidade como a conhecemos atualmente no Ocidente. Tomás, por outro lado, foi acusado pelos teólogos posteriores de ser ingênuo nestas questões. Bem, a ingenuidade dele é a mesma posição que encontramos no tasawwuf (Sufismo), Advaita Vedanta e diversas linhas de pensamento místico.

No terceiro artigo do segundo Livro, Tomás trata a lei como uma forma de medida racional e vê a Lei eterna como algo em que temos uma participação única. Corretamente ele sugere aqui que a capacidade para a tentação é uma consequência da natureza da própria Lei, portanto, natural — porém, mais importante, ele diz:

Primeiramente, na medida em que ele inclina diretamente seus súditos a algo; às vezes súditos distintos a atos diferentes, e neste sentido podemos dizer que há uma lei militares e outra mercantil. Em segundo lugar, indiretamente, e deste modo, ao destituir a dignidade de um de seus súditos, este passa para outra ordem e assim sob outra lei. Assim, se um soldado é expulso do exército, ele se torna sujeito à legislação rural ou mercantil.

Estes comentários são similares ao que encontramos no Bhagavad Gita quando o texto discute a lei, isto é, dharma e karma. A Lei está sujeita ao que se pretende fazer — se o trabalho de alguém muda, por exemplo, então o mesmo acontece com as regras de conduta. A Lei concede uma passagem diferente para aquilo que é lícito e bom. Falando de forma simples, um soldado possui o dever de matar — esta é a lei pela qual ele vive, enquanto um comerciante vive de acordo com outras regras que valorizam outros atos no lugar de matar. Tudo é flutuante — e aqui estamos falando de papéis sociais. Ela deve, logicamente, se tornar mais rica em nuances quando medimos a Lei com a medida da natureza de uma substância, tal como encontramos em uma pessoa. O que Tomás tentou dizer é que existem algumas regras de conduta que são universalmente boas, pois elas refletem nossa Divindade. Todas estas são qualidades que marcam uma pessoa como portadoras de um bom caráter, que é proveniente do próprio Amor.

No sexto artigo Tomás é mais especifico quando diz:

várias criaturas têm várias inclinações naturais, de tal modo que aquilo que é, por assim dizer, uma lei para um, é contrária a lei de um cão, embora oposta à lei de uma ovelha ou outro animal manso.

O que causa uma divergência entre o homem animal e os outros animais é a presença da consciência. Mas isso é algo que é desenvolvido e não automaticamente atingido, como o Salmo 48:21 nos diz: “O homem, quando estava em honra, não entendia: ele fora comparado às bestas inconscientes, e feito como eles.

O que ele simplesmente diz é que com o advento da razão ocorre uma maior capacidade de discernimento. Até que a razão seja desenvolvida no homem, ele é uma besta orientada pelos impulsos da sensualidade, e como um animal humano ele é dirigido pela lei natural como qualquer outro animal que age de acordo com suas inclinações e impulsos. Com a razão, as inclinações podem tomar forma e se tornam expressões de nosso dharma. Aqueles que exercitam as inclinações naturais do prazer são fiéis a si mesmos — enquanto que aqueles que censuram a si com o archote da condenação revelam que são vítimas do chamariz da culpa. Através disso eles negam a eles próprios...

Esta distinção que Tomás faz entre os impulsos sensuais e a extensão da Lei divina conforme ela toma forma na razão é interessante. Ela pode ser interpretada como se as inclinações sensuais não estão sujeitas à Lei divina — mas ao desenrolar natural da própria naturalidade, quando agimos de acordo com nossa natureza, na forma de uma besta, vazios de razão — podemos dizer que a Lei divina tem precedência em qualquer forma, exceto como provendo uma sombra para as inclinações sensuais mediadas por um único coração?

A razão pode nos ajudar no entendimento de nossas inclinações sensuais; ela pode ser uma soberana serena que dá sentido às nossas inclinações e através disto, abrir as vias para o eterno. Esta possibilidade está aberta, não pela negação das inclinações — mas ao permitir que elas sejam mediadas pela razão e a sensibilidade às harmonias naturais.

E assim, a lei do homem, que pela ordenação Divina é a ele atribuída, segundo a sua própria condição natural, é que ele deveria agir em conformidade com a razão”, conclui Tomás. E com isso podemos resumir que nossas inclinações sensuais, em toda sua rica variedade, na medida em que traz felicidade — é simplesmente algo natural que agregado à razão pode trazer a bondade a abundância. A questão parece não confundir os planos como tantos moralistas odiosos tendem a fazer quando dizem que toda a criação de Deus é uniforme e singular — uma criatura das massas...

... Nisso, o sábio Eros pode germinar e revelar a grandeza criativa do Criador!

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