A Lei Natural de Eros

Debates a respeito  do natural e o perverso estão surgindo constantemente. Homossexualidade  e práticas sexuais ‘incomuns’ de qualquer variedade geralmente chamam a  atenção, pois aqui, no mundo do sexo, todos os homens e mulheres  encontram suas inclinações mais puras e sua escuridão mais crua.  A  escala nestes debates está entre as inclinações pessoais sensuais, em  como elas são mediadas com uma moral universalista que insiste que todos  possuem as mesmas inclinações sensuais — e aqueles que escapam do  lícito são considerados  pervertidos — ou pior. Estes discursos morais  são, quase sempre, ditados sobre motivos religiosos, propagando uma  escala muito curiosa entre a liberdade e o pecado, e a vergonha das   inclinações. Neste clima de ‘uma moral que serve para todos’ a  resistência chega naturalmente à superfície.
Os debates que  vemos hoje podem ser ancorados no século XI e nos debates eclesiásticos  sobre a Lei Natural — aqui encontramos São Tomás de Aquino, que  realmente nos disse para olharmos para a natureza para que pudéssemos  ver o que era natural, desde que ele não considerava o sexo como algo  particularmente sagrado — mas sim algo que os humanos compartilhavam com  todos os outros animais.
No Livro de sua Summa, Tomás discute as questões da Lei. Dada a orientação platônica e a influência muçulmana as quais Tomás foi sujeito, podemos supor que ele, ao falar da Lei Divina, não estava falando de shari’ah,  mas da essência do próprio Islã — submeter-se a Lei Divina, como Abdullah, um escravo de Deus. Essa idéia certamente envolve a doutrina  do Destino e como todos nós nascemos com um condicionamento único, que  permite um único caminho (lei) para a obtenção da bondade em nossas  vidas. Ser um escravo de Deus implica que descobrimos a única lei que  nos conduz à abundância, como uma extensão da Lei Divina. Como espelhos  de Deus, nós, enquanto humanos, também refletimos todas as suas  possibilidades espelhadas em seus 99 maravilhosos nomes. Há, portanto,  uma distinção entre a Lei escrita e a Lei natural.
A distinção entre a Lei escrita e a Lei natural também está incorporada no  cristianismo, nos evangelhos que falam da missão de Jesus Cristo. O que é evidente é que Jesus se considerava um profeta da lei eterna, escrita  no coração de cada um nós. Aqui encontramos a divisão entre Lei, como um conjunto de regras de conduta vazio de razão. 'Siga a lei escrita e você não pode errar’ parece ser a mensagem, e a Lei transformada em um conjunto de regras que não precisa de razão para trazer a salvação. A lei eterna escrita em nossos corações segue uma dinâmica que necessita que estejamos conscientes sobre nossas ações e motivações. Infelizmente, a consciência está sendo gradualmente substituída pela temporalidade e interpretações morais dominando o momento sócio-espacial.
É a lei escrita no coração dos homens que Tomás de Aquino discute em sua Summa. É esta Lei que ao longo do tempo foi reinterpretada à luz moral e que  deu origem à doutrina eclesiástica sobre o pecado e a sexualidade como a  conhecemos atualmente no Ocidente. Tomás, por outro lado, foi acusado pelos teólogos posteriores de ser ingênuo nestas questões. Bem, a ingenuidade dele é a mesma posição que encontramos no tasawwuf (Sufismo), Advaita Vedanta e diversas linhas de pensamento místico.
No  terceiro artigo do segundo Livro, Tomás trata a lei como uma forma de  medida racional e vê a Lei eterna como algo em que temos uma  participação única. Corretamente ele sugere aqui que a capacidade para a  tentação é uma consequência da natureza da própria Lei, portanto,  natural — porém, mais importante, ele diz:
“Primeiramente,  na medida em que ele inclina diretamente seus súditos a algo; às vezes  súditos distintos a atos diferentes, e neste sentido podemos dizer que  há uma lei militares e outra mercantil. Em segundo lugar, indiretamente,  e deste modo, ao destituir a dignidade de um de seus súditos, este  passa para outra ordem e assim sob outra lei. Assim, se um soldado é  expulso do exército, ele se torna sujeito à legislação rural ou  mercantil.”
Estes comentários são similares ao que encontramos no Bhagavad Gita quando o texto discute a lei, isto é, dharma e karma.  A Lei está sujeita ao que se pretende fazer — se o trabalho de alguém  muda, por exemplo, então o mesmo acontece com as regras de conduta. A  Lei concede uma passagem diferente para aquilo que é lícito e bom.  Falando de forma simples, um soldado possui o dever de matar — esta é a  lei pela qual ele vive, enquanto um comerciante vive de acordo com  outras regras que valorizam outros atos no lugar de matar. Tudo é  flutuante — e aqui estamos falando de papéis sociais. Ela deve,  logicamente, se tornar mais rica em nuances quando medimos a Lei com a  medida da natureza de uma substância, tal como encontramos em uma  pessoa. O que Tomás tentou dizer é que existem algumas regras de conduta  que são universalmente boas, pois elas refletem nossa Divindade. Todas  estas são qualidades que marcam uma pessoa como portadoras de um bom  caráter, que é proveniente do próprio Amor.
No sexto artigo Tomás é mais especifico quando diz:
“várias criaturas têm várias inclinações  naturais, de tal modo que aquilo que é, por assim dizer, uma lei para  um, é contrária a lei de um cão, embora oposta à lei de uma ovelha ou  outro animal manso.”
O que causa uma divergência entre o homem animal e os outros animais é a presença da consciência. Mas isso é  algo que é desenvolvido e não automaticamente atingido, como o Salmo 48:21 nos diz: “O homem, quando estava em honra, não entendia: ele fora comparado às bestas inconscientes, e feito como eles.”
O que ele simplesmente diz é que com o advento da razão ocorre uma maior capacidade de discernimento. Até que a razão seja desenvolvida no homem, ele é uma besta orientada pelos impulsos da sensualidade, e como um animal humano ele é dirigido pela lei natural como qualquer outro animal que age de acordo com suas inclinações e impulsos. Com a razão, as inclinações podem tomar forma e se tornam expressões de nosso dharma. Aqueles que exercitam as inclinações naturais do prazer são fiéis a si mesmos — enquanto que aqueles que censuram a si com o archote da condenação revelam que são vítimas do chamariz da culpa. Através disso eles negam a eles próprios...
Esta distinção que Tomás faz entre os impulsos sensuais e a extensão da Lei divina conforme ela toma forma na razão é interessante. Ela pode ser interpretada como se as inclinações sensuais não estão sujeitas à Lei divina — mas ao desenrolar natural da própria naturalidade, quando agimos de acordo com nossa natureza, na forma de uma besta, vazios de razão — podemos dizer que a Lei divina tem  precedência em qualquer forma, exceto como provendo uma sombra para as inclinações sensuais mediadas por um único coração?
A razão pode nos ajudar no entendimento de nossas inclinações sensuais; ela pode ser uma soberana serena que dá sentido às nossas inclinações e através disto, abrir as vias para o eterno. Esta possibilidade está aberta, não pela negação das inclinações — mas ao permitir que elas sejam mediadas pela razão e a sensibilidade  às harmonias naturais.
“E assim, a lei do homem, que pela ordenação Divina é a ele atribuída, segundo a sua própria condição natural, é que ele deveria agir em conformidade com a razão”, conclui Tomás. E com isso podemos resumir que nossas inclinações sensuais, em toda sua rica variedade, na medida em que traz felicidade — é simplesmente algo natural que agregado à razão pode trazer a bondade a abundância. A questão parece não confundir os planos como tantos  moralistas odiosos tendem a fazer quando dizem que toda a criação de  Deus é uniforme e singular — uma criatura das massas...
... Nisso, o sábio Eros pode germinar e revelar a grandeza criativa do Criador!